A Face Devocional do Jnana
Om Namo Bhagavate Sri Ramanaya
Aksharamanamalai: A Face Devocional do Jnana
Por Nadhia Sutara
Nadhia é uma devota russa que morou no complexo do templo Guhai Namsivaya (ocupada antigamente por Keerai Patti) no Monte Arunachala por quase dez anos. Ela fez parte do conselho editorial da revista Mountain Path, de 1989 a 1995. Após passar muitos anos no Sri Ramanasramam, ela voltou para o Canadá. Recentemente, ela visitou o Ashram. Ela é uma buscadora espiritual sincera que está profundamente ligada ao Monte Arunachala, e temos o prazer de compartilhar os pensamentos dela a respeito do Aksharamanamalai de Ramana Maharshi.
“Sri Ramana Maharshi sempre afirmou que bhakti (devoção) é jnana mata, ou seja, o jnana nasce de bhakti, assim como um filho nasce de sua mãe. Em Sua maior obra devocional, Aksharamanamalai, Sri Maharshi ilustra como essa forma mais elevada de bhakti se apresenta, a variedade de estados que ela reflete e como ela leva infalivelmente à Autorrealização.
"Desde que Swami Vivekananda levou os ensinamentos do Advaita Vedanta para o Ocidente e, posteriormente, Sri Ramana Maharshi encarnou para incorporar esses ideais de maneira tão completa, surgiram muitos mal-entendidos sobre a natureza do advaita e do bhakti. ‘Não dualismo,’ dizem alguns, ‘significa que somente Brahman é real, e todo o resto é irreal. Portanto, você é irreal, eu sou irreal, e Deus é irreal. Assim sendo, é insensato uma pessoa irreal proferir orações irreais para um Deus irreal. Ela não chegará a lugar algum.’
"Essas pessoas se enganam em relação a muitos aspectos. Primeiro, advaita – não dualidade – significa NÃO DOIS; não significa um. É um tema sobre o qual devemos refletir profundamente: o Supremo não é dois e não é um – ele é NÃO DOIS.
"Há outro conceito equivocado sobre os ensinamentos de Bhagavan relacionado à predeterminação, a noção de que o que deve acontecer acontecerá, por mais que você tente impedir, e o que não deve acontecer não acontecerá, por mais que você tente fazer com que aconteça. Nas próprias palavras de Bhagavan, ‘O melhor caminho, portanto, é ficar em silêncio.’ Sem digerir corretamente esse ensinamento, algumas pessoas concluíram que não é necessário realizar nenhum esforço para obter a Realização. Ela vai surgir quando surgir, e somente isso. A prece, dizem eles, não ajuda o aspirante porque o resultado está sempre predeterminado. Por uma conclusão lógica, não apenas a prece seria inútil, mas também a autoinvestigação e qualquer outro sadhana (prática espiritual).
"Esse tipo de indigestão espiritual não apenas atrapalha o aspirante; é algo que pode deixá-lo emperrado até ele enxergar a superficialidade de sua compreensão conceitual. Sri Bhagavan sempre afirmou que muitos esforços são necessários para se chegar ao não esforço. Como Ele disse para Kunjuswami, as três fases do sadhana – sravana (escutar o Ensinamento), manana (refletir continuamente sobre ele até que seja totalmente assimilado) e nididhyasana (permanecer naquilo que foi assimilado) – devem ser mantidas até a plena Realização.
"Além disso, a mesma Fonte que leva o aspirante a realizar a autoinvestigação pode levar o aspirante a orar. ‘O seu próprio desejo por Graça é devido à Graça que já está em você,’ costumava dizer Sri Bhagavan. Afinal, a Fonte é Uma, e todas as preces terminam sendo direcionadas para Ela. O jivatman (alma individual) é um reflexo do Paramatman (o Eu Supremo), inseparável dele enquanto o jiva durar: o ‘eu’ investiga a Fonte de si mesmo, assim como o bhakta reza para a Fonte de bhakti. Caso contrário, por que Sri Bhagavan rezaria pela cura da doença de Sua mãe? E por que ele escreveria o Aksharamanamalai?
"Sri Bhagavan costumava comentar que tinha medo de dois devotos, Ramanatha Brahmachari e Mudaliar Pati. Ele disse que os dois o amavam tanto que ele não conseguia dizer não a nada do que pediam, afirmando o princípio de que a devoção é a corda que prende Deus. Se essa afirmação veio de Sri Bhagavan, uma encarnação do Supremo Uno, como podemos dizer que a oração e a devoção são inúteis, tolas ou fúteis?
"No Aksharamanamalai, Sri Bhagavan deixa perfeitamente claro que o bhakta que reza é equivalente ao indivíduo supostamente irreal que realiza a autoinvestigação. Sri Bhagavan disse que, assim como o investigador é como o bastão que remexe a pira funerária e que termina sendo queimado nessa mesma pira, o bhakta que ora termina sendo absorvido pelo Ishtha, aquela ‘forma’ do Supremo que é inseparável dele. Em sânscrito, isso se chama de ananya bhakti, a forma mais elevada de bhakti, em que o indivíduo se perde completamente em seu Divino Estado de Ser Supremo.
"Essa questão também tem outro aspecto. Sri Bhagavan e todos os grandes Jnanis afirmaram que a não dualidade é uma permanência interior, uma moradia constante na percepção da natureza essencial e única de toda a manifestação. Porém, enquanto alguém estiver no corpo, sempre será necessário preservar a bheda bhava (reconhecimento da diferença na forma). A essência de uma árvore é idêntica à essência de um ser humano, mas as necessidades das formas são diferentes, então as formas precisam ser tratadas de maneira diferente. A não diferença na essência – e não a não diferença na forma – é o que se quer dizer com não dualidade, com ser ‘não dois’. Um Jnani genuíno – como Sri Bhagavan – jamais tratará alguma forma de vida como se ela fosse irreal. Veja como ele tratava a vaca Lakshmi, o cervo, o corvo, entre outros. Sri Bhagavan era solícito com TODAS as formas, sempre com reverência e profundo carinho. Há registros de um incidente em que Ele se deparou com alguém que estava batendo numa mangueira para conseguir a fruta. Ele ordenou que a pessoa parasse de bater na árvore e a repreendeu, dizendo: ‘Pode levar o fruto, claro – esse é o desejo da árvore. Mas por que precisa bater nela? Não acha que ela sente dor tanto quanto você sentiria se alguém batesse em você?’
"Agora, vamos analisar alguns dos slokas de Aksharamanamalai para ver a maneira profunda e comovente como Sri Bhagavan expressou que o bhakti focado em Arunachala leva à Libertação:
1. (a) Tu erradicas o ego daqueles que meditam em Ti no Coração, ó, Arunachala!
28. (a) Deixe-me, Tua presa, render-se a Ti e ser consumida, e assim ter paz, ó Arunachala!
(b) Eu vim me alimentar de Ti, mas Tu te alimentaste de mim; agora há paz, ó, Arunachala!
44. ‘Olhe para dentro, sempre busque o Eu com o olho interior, e assim (Ele) será encontrado,’ foi assim que Tu me orientaste, amada Arunachala!
48. Quando me abriguei em Ti como meu Único Deus, Tu me destruíste completamente, ó, Arunachala!
66. Com a loucura por Ti, Tu me libertaste da loucura (pelo mundo); concede-me agora a cura de todas as loucuras, ó, Arunachala!
101. Como a neve na água, deixe-me derreter como amor em Ti, que és o próprio amor, ó, Arunachala!
"Assim, a mariposa – o devoto focado – é absorvida, aniquilada e liberta na chama – o Eu – Arunachala."